terça-feira, 17 de abril de 2012

Roger Waters - The Wall

Os dias de espera finalmente haviam chegado ao fim. Foi um longo tempo desde novembro, quando comprei os ingressos e o dia primeiro de abril, quando finalmente Roger Waters iria tocar ao vivo, pela primeira vez em solo paulista a sua ópera Rock, The Wall.
 
Na realidade foram anos de espera até esta data. Lembro-me de um primo assistindo ao The Wall, nos idos de 1985/86 e eu sentar para assistir àquela loucura com ele. Fiquei absolutamente hipnotizado pelos desenhos sombrios, pela mensagem anti-guerra e, obviamente pelo quebra-quebra da escola durante “Another Brick in the Wall – Part 2”. Vi o filme até o fim sem entender direito tudo aquilo, mas gostando do que via.

Lembro-me também que naquele ano aluguei o tal do The Wall para assistir desde o começo. Assisti-o algumas outras vezes e as coisas começaram fazer sentido em minha cabecinha pré-adolescente. Pedi o álbum duplo de vinil no amigo-secreto da escola e pronto, estava cercado pelo muro Pink Floyd para o resto da vida. Não é exagero dizer que esse álbum influenciou não só meus conceitos e gostos musicais, mas também valores que começavam a ser formados a partir daquela época. Imaginem, então a expectativa para o show do fim de semana passado.
 
Cercado de grandes Amigos-irmãos e de minha esposa, por volta das 16h entramos para tomar nossos lugares na pista montada no estádio do Morumbi. Alguns detalhes já indicavam o que estaríamos por presenciar dali algumas horas: uma réplica de um avião nazista discretamente pendurado sob a estrutura dos holofotes do estádio ligado por um cabo de aço que ia em direção direta e sem escalas ao lado direito do imenso palco, que acomodava sobre seu centro um círculo-tela, característico dos shows do Waters/Floyd.

Uma “parede” que atravessava de um lado ao outro o estádio, nos moldes daquela estampada na capa do álbum The Wall, montada à frente do palco, porém, com uma abertura em sua porção central que possibilitava enxergar todo o palco e os instrumentos e algumas partes visíveis, do que pareciam ser infláveis, ainda inanimados e murchos aguardando a hora exata de entrarem em cena.
 
Muita conversa, cerveja cara, porém gelada e os banheiros químicos ainda limpos nos ajudaram a vencer a ansiedade em ver o show que começaria (para a nossa surpresa e experiência em shows de britânicos) com quinze minutos de atraso. Mas começou. E começou em alto estilo, com Waters vestido de ditador, com óculos Ray-Ban e jaqueta militar em meio a bandeiras portadas por “militares uniformizados”. E tão forte quanto batiam nossos corações eram intensos os efeitos especiais já na primeira música (a abertura da ópera “In the Flesh?”) que termina justamente com a queda e explosão (real) do avião que vimos pendurado no início do show em meio a um bombardeio e artilharia antiaérea que ouvíamos por todos os lados do estádio, num surround impecável. As projeções na parede impressionavam pela nitidez e qualidade das imagens a ponto de nos confundir se o que estava projetado não era mesmo real!
 
A segunda música, “The Thin Ice” dá o tom do que seria o restante do show em termos da mensagem a ser passada: logo no começo, no círculo-tela uma foto antiga de um militar, sendo substituída em fade-out por uma ficha contendo o nome do militar (EF, Waters, pai do cantor), a data e local de seu nascimento e data e local de sua morte. Até o fim dessa música seguem outras tantas fotos e fichas, não apenas de militares mortos na segunda guerra, mas em guerras recentes também, atualizando e mantendo o argumento trazido pelo The Wall mais-do-que-vivo.
 
A altíssima qualidade sonora já era esperada, mas confesso que Roger Waters, aos 68 anos impressionou nos vocais, tanto nas músicas de tons mais baixos, como “Mother”, cantada e tocada em parceria com ele próprio, porém, no início da década de 80, como em músicas com o tom bem mais alto como “Bring the Boys Back Home” ou variadas, como “The Trial”. Nada deixou a desejar também o cantor que substitui a voz de David Gilmour: vocal afinadíssimo e excelente (confesso que estava com medo de ouvir um coral de vozes nessas partes das músicas).
 
Na mesma linhagem a banda toda e o instrumental, fidelíssimos ao disco gravado em estúdio.
 
As imagens, porém, merecem um capítulo a parte. Pra começo de conversa a parede, que ao início do show era incompleta na porção central, vai, ao longo do show, sendo montada, tijolo por tijolo, até se fechar por completo – e esconder palco e banda - logo após a última nota da música “Good Bye Cruel World”, que encerra o “primeiro ato” do show (e o lado B do primeiro disco, ou o primeiro CD, do álbum duplo).

As imagens projetadas não impressionam somente pela nitidez ou realidade, mas pelo conteúdo que trazem. Muitas são as mesmas do filme, como no caso das duas “flores” que dançam, se entrelaçam e se canibalizam no início da faixa “Empty Spaces”. Outras são novas, como os bombardeiros que lançam sobre cidades “bombas” simbolizadas por cruzes (cristãs), estrelas de David (judaicas), a lua crescente com a estrela (islamismo), a concha da Shell, o “M” do Macdonalds e a estrela de três pontas da Mercedes-Benz.

Há também vídeos reais, como o da menina, que expressa de maneira contagiante, toda a emoção ao ser surpreendida na sala de aula pela visita de seu pai que acaba de retornar da guerra, durante a música “Bring the Boys Back Home”, ou o terrível assassinato de civis muçulmanos que são confundidos com terroristas (ou militares). Há também frases de efeito que mexem com o público: durante a música “Mother” há uma frase que diz: “mother should I trust in the government” logo que ela é cantada aparece escrito na parede “NEM”... e logo em seguida “FUDENDO” (sic.). O público vem ao delírio.
 
Vem ao delírio, vai às lágrimas, grita, vibra, fica calado em certas horas, canta a plenos pulmões. Os bonecos infláveis aparecem rapidamente durante o show, mas marcam presença: o professor, a ex-esposa e a mãe, são imensos (têm 10 e 11 metros de altura) e muito fiéis aos desenhos do filme. O porco preto e com enormes presas brancas que sai voando do lado esquerdo do palco durante a música “Run Like Hell”, traz frases de ordem e protestos como: “O novo código florestal vai matar o Brasil”.

Classificar o espetáculo de Waters, que tive o prazer presenciar nas duas apresentações em São Paulo, como um show de rock é diminuí-lo. Essa versão de The Wall é muito mais que isso: é uma ópera, um concerto, um espetáculo, uma encenação. É arte expressa em música e tecnologia. É superação de conceitos e extravasão de expectativas, para meninos de 12 ou de 40 anos de idade.


Abraços
Fabio Samori

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